sábado, 12 de março de 2011

O Cão.

O meu avô tinha um cão.

Digamos que era um cão sem raça definida, rafeiro, desses que fazem muito barulho, mas que à medida que vão envelhecendo se tornam mais matreiros e silenciosos, contudo com o mesmo numero de dentes e com uma valente força na mandibula. Passam a ladrar menos e, quem sabe, por serem velhos se tornam mais impacientes e tolerantes e mordem mais!
Muitos dias, não digo todos, porque não acredito no sempre e no nunca, o cão estava sentado à porta da casa do meu avô a guardar o seu território deitado sobre um estrado de madeira. E rosnava baixinho, aquele rosnar de descontentamento que facilmente conseguimos imaginar. GrrrrrrrrrrrRRRrrrrrrRRRrrrrrr... Passava horas nisto, dias, semanas, uma vida.
O meu avô que nunca foi muito bom carpinteiro, terá deixado um prego menos bem pregado, que com o tempo se tornou saliente, apesar de não estar aguçado o prego fazia alguma pressão na pele do animal e provocava uma dor, daquelas tipo moinha,  persistente, que não mata nem fere, mas vai moendo.
E o cão lá ficava dias, semanas deitado sobre o seu estrado que outrora tinha sido o estrado mais confortável da aldeia, mas que agora por um infortunio lhe provocava uma dor maçadora e persistente na omoplata esquerda, sempre na omoplata esquerda, logo a seguir às costelas.
Porque esta dor era aborrecida o cão passada dias e semanas deitado sobre o seu estrado, a rosnar baixinho GrrrrrrrRRRrrrrrrrRRrrrRr, por vezes quando o prego ficava numa zona mais afastada do calo que já tinha na pele, até soltava  uns latidos, Caimm CAAIMM Caimm!

O meu avô que se tinha como bom carpinteiro e desconhecia a falha na sua obra de engenharia pensava que eram as pulgas ou as moscas que aborreciam o seu fiel amigo, por isso nunca conseguiu solucionar o problema do canito.
Pergunto-me frequentemente, porque é que o cão se deixou ficar naquela situação desconfortável tanto tempo?, porque é que não se foi deitar noutro sitio?, porque é que não reparou que o prego lhe arrancou parte do pelo e fez dele um cão mais feio?, porque é que deixou acontecer aquele calo feio na pele.

O cão já abandonou o mundo dos cães vivos, e agora deve estar deitado numa nuvem bem fofa e confortavel a contemplar o que se vai passando nestes dias no nosso quintal, vê muita gente que devido a erros de engenharia agora se queixa todos os dias, sucessivamente, do bem estar que se vai perdendo, dia após dia. Vê o queixume que aumenta.


Hoje de tarde vai haver uma manifestação, eu não vou lá estar. Não porque seja contra, gosto de manifestações e revoluções, mas não daquelas que enfiam cravos nas armas, essas mudam algumas coisas mas o funcionamento de fundo mantém-se. 
Iria à manifestação se alguém me conseguisse garantir que dos milhares de desempregados, descontentes, trabalhadores precários, ou simplesmente manifestantes que lá vão estar, todos vão votar quando são chamados para tal. 

O nosso voto sim pode mostrar uma atitude e na minha opinião, quando de  9.454.651 de votantes apenas aparecem às urnas 4.492.453 isso explica muita coisa que nos tem vindo a acontecer. (53.56% esqueceram-se de votar - Fonte: Mapa Oficial no Diário da República n.º 32 de 15-02-2011.)
Não somos obrigados a escolher os candidatos que nos apresentam, podemos escolher não os escolher, e isso sim é morder a sério.
Já diz o ditado "Cão que ladra não morde"
Logo a tarde vou enfiar-me num centro comercial para tentar descobrir o que lá existe e nos impede de fazer coisas importantes como votar ou participar numa manifestação.
Espero que não chova, manifestações com chuva costumam ter menos gente.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_presidenciais_portuguesas_de_2011#Resultados