domingo, 18 de março de 2012

Os amigos

O rádio está sintonizado na minha estação de eleição, a música vai brotando com uma cadência inconstante. Por vezes a voz é doce, por outras irada, zangada. A bateria e a guitarra eléctrica parecem zangadas, a guitarra insiste em lhe negar a palavra, a bateria no entanto exige marcar o ritmo com a sua presença.
Ali, no banco do jardim, um idoso, indiferente a tudo, ou talvez não, talvez apenas discreto, afasta umas folhas caídas no solo. Uma delas chama-lhe a atenção, fica curioso, testa ligeiramente franzida, pega nela com cuidado.
Foco a minha atenção na folha, agora também ela me pede que a olhe com atenção. É uma folha de plátano, mais para cima  vejo a árvore despida. É curioso perceber que as árvores ficam mais despidas quando está frio, suponho que algumas coisas estão destinadas a funcionar ao contrário do que é esperado.

Desço os olhos pelo tronco, encontro o ancião com a folha entre as mãos, os seus olhos fixam o horizonte, entretanto interrompe a sua imobilidade, arregaça o punho da camisa já gasta, espreita as horas no relógio e volta a fixar-se na folha.
Ali ao lado, um autocarro para. Sai uma figura cansada e com ar preocupado, já com ambos os pés assentes na calçada irregular olha em redor, o olhares cruzam-se, esboçam um sorriso impossível de fingir, enceta caminho em direcção ao banco de jardim que se situa junto ao plátano despido de folhas.
Encontram-se com um abraço, falam durante quase uma hora, partilham momentos, recordações, soltam risos e iniciam silêncios breves interrompidos pelas palavras variadas de quem sabe o que é a vida.
De novo, um olhar para o relógio.
-Tenho que ir..
-Já?
-Sim, dentro de momentos chega o último autocarro do dia, de outra forma teria que regressar a pé, as pernas já não querem... Tu sabes...
- Pronto, vai então, mas leva isto, é uma recordação insignificante...

A mão envelhecida entregou a folha de plátano, com o cuidado de quem entrega algo precioso.
-Para mim?
-Sim, para ti meu amigo.
Despediram-se e deixaram o banco de jardim, enquanto andavam em direcções diferentes ouviam o ruído das folhas ao serem pisadas.

O tempo começou a arrefecer, meti as mãos nos bolsos, senti o meu telefone, decidi ligar a um amigo, quem sabe consigo escrever mais umas palavras numa folha de amizade.

O telefone dá sinal de chamar,
Não...
Afinal é sinal de impedido, ocupado....