sábado, 6 de outubro de 2012

A Batalha das Cerejas.

Os silvos das balas fazia-me arrepiar, lá do outro lado pessoas que nunca vi, que não sei quem são, que nunca me viram, que não sabem quem sou, disparam sobre mim.
Pior que isso, nem sabemos o porquê de estar ali.
As balas continuam a passar, deitado no chão, encolho-me o que posso, esquivo-me, como se fosse possível alguém esquivar-se de um objecto pontigudo a mover-se à velocidade do som!
Fico quieto, não quero nem imaginar o que será de mim se sou atingido, sou tão jovem para me tornar num nome escrito numa parede de nomes, não quero!
Sei que não vou sentir o calor do cobre perfurar o meu corpo, que não vou sentir a dor no meu ventre perfurado, que não vou sentir o sangue brotar de mim. A dor, a dor deve ser agoniante.
Não quero sentir isso.
Viro-me lentamente, deito-me de barriga para baixo, volto costas a este cenário de guerra que não diz nada a nenhum de nós!
Fico quieto, muito quieto.
De repente o mundo disse-me que a  minha vez chegou, senti a pele quente, a palmada nos rins, o som abafado, contorci-me adoptei uma posição fetal, sabia que agora era uma questão de tempo até tudo terminar, esta guerra não permite sobreviventes.
Pouco depois veio a dor. Uma dor lenta e crescente que me fez contorcer, encolher, virar.
Lutei contra a dor, disse que iria passar, repeti para mim essa mentira vezes sem conta.
O meu momento chegou, desisti, conclui que a dor iria vencer, e que esta noite interminável seria um pesadelo sem fim.
Basta!
Liguei a luz da mesa de cabeceira, interrompi este quase sonho, este pesadelo real,  esta dor de barriga tinha que passar, ela foi mais forte que eu, mas na gaveta do móvel da sala tenho a minha almofada de caroços de cereja RICOXETE, tirei da caixa, apreciei de forma fugaz o desenho sóbrio da caixa, não foi preciso ler a bula, porque esta já eu conheço muito bem.
1 minuto no microondas até fazer "Pling"
Agarrei a almofada com a certeza que não me ia queimar, senti o calor húmido, o cheiro "sui genneris" dos caroços aquecidos, o tacto do pano crú.
Fui para a cama coloquei a almofada sobre a barriga, adormeci, sem sonhos, sem balas, sem guerra, sem pesadelos.
Só me voltei a lembrar da almofada de manhã quando ouvi o seu som a cair sobre o soalho!
Apanhei-a, contemplei-a com um olhar agradecido, pareceu-me um pouco suja, foi à maquina de lavar  junto com roupa lá de casa, depois foi a secar na corda com a roupa e já está pronta para outras batalhas!!