sábado, 22 de outubro de 2011

A estória de uma cigarra que ensinou as formigas a cantar.

O carreiro das formigas era longo, contornava o plátano ancestral, enorme e frondosa árvore com os seus ramos contorcidos pelo vento e pelo passar do tempo.
O meu vizinho carrancudo passava as tardes a dormitar sentado sobre uma saca de serapilheira à sua sombra. Como ele era carrancudo e refilava com os miúdos, desejei muitas vezes que as abóboras crescessem nas árvores...
Lá mais ao fundo o carreiro das formigas subia o muro até meio, para depois desaparecer numa fissura em forma de ferradura, talvez um dia o cavalo do meu vizinho lhe tenha dado um coice num aqueles dias de má disposição, quem sabe.
O que importa é que mais à frente o carreiro das formigas voltava a aparecer junto ao portão ferrugento do quintal, ali ao lado estava uma daquelas plantas mal cheirosas, a arruda, que dizem que espanta o mau olhado, talvez tenha sido esta a planta que ao longo dos anos protegeu o meu vizinho das abóboras nas árvores. Cheirava tão mal!!!

Perto do portão estava também o roseiral, local que evitámos quando jogámos às escondidas devido aos seus picos e aos açoites que apanhamos sempre que aparecia um ramo partido. No roseiral habitava a cigarra, que cantava todo o verão com o ruído estridente de uma serra eléctrica de cortar madeira, cantava enquanto as formigas pacientemente, no seu carreiro, repetiam o trajecto dia após dia, ano após ano. Passavam a vida naquilo.

As formigas achavam que a cigarra devia mudar de vida, aquilo de passar o tempo lá em cima, sem produzir nada não tinha futuro, até que um dia.
- Cigarra sai dai, e para de cantar!
- Paro de cantar? Porquê?
- Ora, porque tens de fazer algo, tens de ser produtiva!
- Como assim? Ser produtiva, eu sou uma cigarra, eu canto!
- Mas a tua música não serve para nada!
- Como não serve para nada! Vocês vão ver suas formigas invejosas!
Dai em diante, o roseiral foi tomado pelo silêncio, as sestas do meu vizinho passaram a ser mais profundas e a viagem das formigas bem mais monótona, dizem mesmo que as formigas até começaram a perder-se porque já não ouviam ao longe o cantar da cigarra!
Algo teria que mudar, decidem as formigas voltar a falar com a cigarra.
- Cigarra importas-te de voltar a cantar para nós?
Rouca e anafada a cigarra responde,
- Importar não me importo, mas a minha velhice já não me permite cantar mais, acabou-se!
- Não pode, tens que voltar cantar, tens de voltar a cantar!
- Não consigo, acabou-se! Posso é ensinar-vos a cantar!
 - Isso seria uma boa ideia!
Exclamaram as formigas! E combinaram que iriam tirar uma semana de folga para aprenderem a cantar, escusado será dizer que cantavam mal, muito mal mesmo!
Mas insistiram, insistiram e insistiram em saber cantar um dia, a semana de folga tornou-se num mês, por fim dois. O Outono chegou, e a tribo das formigas de cana rachada conseguiram arruinar a sua colheita, desesperadas, tentaram voltar à sua vida, mas já era tarde, a época passou, as colheitas perderam-se e a fome era uma garantia no Inverno. 

Pouco podiam fazer!
Meio desesperadas, foram ter com o papa-formigas para este lhes dispensar algum cereal que lhes pudesse matar a fome, com má cara e em jeito de favor sempre que eram dispensadas umas gramas de cereal o Papa-formigas cobrava o seu preço, comia umas formigas, e que bem que lhe sabiam as formigas cantadoras!
Esta é a estória das formigas que um dia aprenderam a cantar!

5 comentários:

  1. Boa história e conclui-se que cada um no seu galho, para manter o equilibro e a ordem natural das coisas…

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  2. Gostava mesmo de ouvir essas formigas a cantar... elas até podem cantar muito mal mas são tão pequeninas que nem se devem ouvir.

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  3. eu é que fumo daquilo e tu é que escreves estas coisas. Enfim...

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  4. acho que as formigas erraram ao pedir ajuda ao Papa-formigas...tal como nós (governo português) erramos ao pedir ajuda à Troika...aos poucos vamos sendo comidos !!

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  5. Eu cá não pedi ajuda a ninguém! Até gosto de ouvir o cantar das cigarras!

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