sábado, 17 de dezembro de 2011

A memória é curta.

Até o facebook já percebeu que a nossa memória para além de selectiva também é curta!
Por isso agora disponibiliza a "linha do tempo", na linha do tempo podemos viajar ao longo da nossa história, ver o que fizemos, com quem interagimos, onde estivemos e o que sentimos!
Muito boa ideia sem dúvida! Disponibilizar ao sabor de um click uma viagem do tempos onde alguém nos guarda todas as memórias bem arrumadinhas por gavetas, assuntos, datas, temas, e outros critérios.
E no meio de isto tudo onde ficam as nossas verdadeiras memórias?
Ainda me lembro de ir passar o fim de semana a casa dos meus avós e encontrar a casa cheia de fumo porque se tinha acabado de acender o lume que iria cozinhar o almoço e o jantar, este lume seria também o aquecimento central da casa, isto num tempo em que a EDP ainda não lucrava mais de 3.000.000,00€ por dia às nossas custas!
Nessa casa, recordo também que o candeeiro funcionava a petróleo, um liquido cor de rosa, quase da cor de um vinho rosé, e com um cheiro único, tipo um perfume intenso e inebriante, ainda hoje há pessoas que ficam perdidas com o aroma daquele nectar...
O meu pai, que espero não fique zangado de vir aqui escrever estas coisas, diz-me que andou descalço até ser um rapazote, e que quis ser padre para poder estudar para além do ensino básico, o meu avô esse, por via da necessidade lá terá achado que o caminho de Deus se pode fazer em qualquer sitio, também teria as suas razões devidamente fundamentadas. Já ouvi outras pessoas falarem que quando tiveram o primeiro par de botas com sola de pneu de camião, a caminho da escola a retiraram dos pés e as colocaram ao ombro porque lhes magoavam os pés, preferindo seguir caminho com os pés a tocar o chão, sentindo as folhas as pedras, o calor e o frio que este deve transmitir. Eu descalço só mesmo na praia.
Andando pela linha do tempo, consigo ainda ir ver a primeira televisão que houve na aldeia, ligava-se a uma bateria, sim a uma bateria de carro, porque nesta altura, o nosso querido AMIGO Mexia, ainda não tinha descoberto como sacar 823.000.000€ apenas em 9 meses aos Portugueses.
E lá se via a televisão a preto e branco, a televisão era a preto e branco, mas o mundo era repleto de cor, sem abundância de tecnologia, sem um torneira para abrir, sem um interruptor para ligar, mas com todas as cores. Com más estradas, que percorri tantas vezes com os meus avós na sua carroça puxada por uma mula, rumo a uma fazenda que se chama Moinho. A viagem demorava mais de uma hora de solavancos e chiadeira. A descer era sempre mais divertido que a subir, o meu avô até nos deixava mexer no travão sempre com o seu olhar atento.
Na altura ainda se fossem dizer aos meus pais que teriam de pagar para irem daqui ali por uma estrada deveria parecer um grande disparate improvável!
Recordo tudo isto com um sorriso, assim, por mais que me tentem dizer que foi mau, não o posso aceitar, o sorriso é a unidade de medida da felicidade, e naquela altura em que saiamos das casas a cheirar a fumo de lareira e com os olhos a arder sorriamos muito! Sorriamos por dentro e por fora! Não tinhamos medo do futuro, era um dia de cada vez!
Ontem à noite liguei a minha moderna televisão espalmada, sim espalmada, porque a outra que tinha antes apesar de fazer tudo o que esta faz já estava desactualizada e teve que ir embora, e olhei para o mundo cinzento ou mesmo  a preto e branco, que todas as cores e contrastes de uma boa televisão conseguem mostrar.
Percebo hoje que vivemos num mundo muito rápido, onde o tempo não para, nem eu quero que pare. E percebo que afinal o meu pai andou descalço há muito pouco tempo atrás, logo não nos podemos assustar com a nova realidade, seja lá o que for que lá vem, irá obrigar-nos a pensar que os nossos sapatos vão ter que durar mais tempo, que os nossos carros vão ter que andar mais devagar, e que outras coisas terão de alguma forma voltar atrás, e com isto iremos ter vidas a decorrer a um ritmo mais calmo e tranquilo onde a felicidade voltará a desabrochar.
Pergunto-me como pessoas que nunca puderam estudar para além da quarta classe, que cresceram em mundos que hoje achamos impossíveis, que fizeram os trabalhos de casa à luz da candeia depois de virem de guardar cabras, que souberam o que é ter sapatos depois de saberem o que é trabalhar se podem assustar com o que se passa agora.
A nossa memória é curta, o facebook só nos pode ajudar a recordar até 2008, dai para trás é ir ao bau de memórias e perceber que vamos ser o que fomos um dia.
Gostava de ver o meu avô e a minha avó a circularem na A23 ao ritmo calmo da mula, com as rodas a chiar no asfalto, com os pórticos das SCUT  incredulos sobre qual a taxa a aplicar aquele veiculo...
Convém recordar as historias do aconteceu tão perto de nós, não foi ontem mas, foi antes de ontem, antes de existir a linha do tempo!

3 comentários:

  1. A memória dos portugueses é curta, o facebook deveria nos relembrar mais coisas, para ver se não voltava-mos a votar noutros Mexias e gente de aquela laia, porque voltam sempre os mesmos é um circulo infinito, uns fazem SCUT´s , outros taxam-nas, e qualquer dia sim andamos todos de carroças outra vez, já pensei em transformar a minha garagem em cavalariça….

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  2. PARABÉNS, um texto muito lindo, a lembrar o que mais importante há numa economia. A palavra vem do grego, que significa 'casa' e lembra 'lar' e lembra que, em princípio, o PIB deveria medir o bem-estar das pessoas. Mas parece que mede cada vez mais a ganância de uns poucos em detrimento do 'bem-viver' da maioria.
    HÁ ALTERNATIVAS A TROIKA! YES,WE CAN - together!

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  3. Brutal prosa! Num espaço de minutos também eu revi e vivi para lá da linha do tempo disponível no facebook, toda uma vida de sorrisos e de lágrimas, vontades e sonhos! E que bom que foi essa viagem, tão bem que me soube que me atrevo dizer que me ficou um nó na garganta e um ardor nos olhos... Obrigado por me proporcionar a pequena viagem à minha própria vivência quase espelhada aqui, neste pequeno texto...
    Gostei tanto que irei voltar, certamente.

    Cumprimentos!

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